segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Ausências

O otimismo do amor me permite acreditar que a sua ausência fragmentada é uma possibilidade amável e provisória de tê-la continuamente presente em vários lugares: ao mesmo tempo:

- aqui, por exemplo. (sua voz balbucia de algum lugar que não existe, imagino eu)

E assim… Procuro, louco, catar um pouco do que você me oferece inocentemente todos os dias.

Ora,
seguro as suas mãos frias e peço que me levem para o lugar mais distante e quente do mundo:

seus olhos quando miram um ponto de fuga. Corra!

Ora,
encontro os seus lábios grossos e tento penetrá-los com minha boca, com meu sexo, com meus poemas. Porra!

(desculpa!)

poesia é fuga de quem foge de cima de si
e na fuga deixa escapar
as palavras mais doídas, mais moídas, mais bonitas…

Ora,
esbarro com as suas verdades, e elas me confundem e elas se fundem neste cenário tão incoerente quanto indecifrável que é o coração de quem ama. Bata!

Ora,
vejo as horas apenas passarem, (que oração?)
sem querer debater com o tempo por que ele ainda vive com mania de me privar da sua companhia. Suma!

Ora,
encosto a palma da minha pluma na pele macia das suas costas tatuadas: tento decifrar o que as palavras ali escritas tentam não-dizer: e dizem tanto: e nada digo: e logo escrevo com a tinta invisível da saudade: outrora a gente junta todas as nossas all-sências.

Mas onde?

- aqui, por exemplo. (sua voz balbucia novamente de algum lugar que continua não existindo, imagino eu continuamente)

Às vezes, soluço

Às vezes, só ouço

a sua voz só,
entrecortada,
seguida de um silêncio inter-
-calado.
E só.

Ela me faz bem. Ele me conforta.
Os dois declaram a sua ausência fragmentada. Tolos!
Sua ausência é inteiramente completa.
Quem está aos pedaços é o que fomos.
Estamos hospedados um no vazio do outro.

outrora
a gente se junta e se completa
feito ausência fragmenta;
i
n
t
e
i
r
o

s,
pour toujours.

[fragmentos de ausência; antônio]

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